Ler Ferreira de Castro 40 Anos Depois

Ler Ferreira de Castro 40 Anos Depois
Mais informações: www.cm-sintra.pt

12.5.13

Texto final

Qualquer conversa com a avó Matilde incluía, mais tarde ou mais cedo, uma menção a áfrica, mais propriamente a moçambique. Tinha ido contra vontade com os pais aos 14 anos. Partiram de lisboa na década de sessenta e passada a tortuosa ponte aérea apaixonara-se pela luz e pelo calor humano do pais.
O seu coração permaneceu sempre lá, mesmo quando em 1974 teve de fugir de barco e retornar a Portugal. Ainda não o sabia, mas esse barco trazia um importante passageiro clandestino: a minha mãe, que viajava no seu ventre.
Foram anos duros. Sozinha e mãe solteira de uma menina mestiça, viu todas as portas fecharem-se-lhe. Se alguma se entreabria, era para exigir o que não estava disposta a dar. Nunca percebemos ao certo como conseguiu que se sustentassem. O certo é que o seu semblante envelhecido mostrava sempre uma mulher triste e receosa, de olhar no horizonte e o coração num outro continente, sob um outro sol.
Não teve mais filhos. A minha mãe criou-se, arranjou um emprego público e foi também ela mãe solteira. Ironicamente, fui a primeira a voltar a áfrica. Fiquei profissionalmente em Pemba, no litoral moçambicano, durante um ano. O suficiente para preparar a viagem destas duas mulheres com áfrica no coração e na pele.
A poucos dias do regresso previsto a Portugal, a minha avó anunciou:
- Eu fico em casa.
Nunca tinha visto o sorriso que agora iluminava a sua cara. Reencontrara o seu coração e não queria voltar a perdê-lo.
Sempre que possível, fazemos a ponte aérea até Pembe. A avó Matilde é voluntária num lar de acolhimento e tem mais netos do que a minha mãe lhe poderia dar. É feliz e nós por ela. Também a minha mãe ponderar regressar para sempre. Eu? Ainda não, mas quem sabe um dia, além do coração, encontre o meu futuro em Moçambique.

Sem comentários:

Enviar um comentário