Ler Ferreira de Castro 40 Anos Depois

Ler Ferreira de Castro 40 Anos Depois
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30.5.09

diálogo evasivo


-desapareceram.

-O quê?

-As tartarugas.

-As tartarugas? Mas como? Não estavam no aquário?

-Sim estavam. Mas agora não estão e não as consigo ver. Como é que terão saído?

-Mas ninguém as tirou? Não limpaste o aquário e esqueceste de as pôr lá outra vez?

-Não, não esqueci. Já me bastou uma vez.

-Tens a certeza?

-Claro que tenho.

-Mas se não foste tu, como é que elas desapareceram? Não há mais ninguém em casa.

-Isso gostava eu de saber, não achas? Limpei ontem o aquário e dei-lhes de comer. Agora olho para lá e não as vejo.

-Pensa lá bem. Se calhar julgas que as puseste no aquário e afinal não. Diz lá o que fizeste exactamente.

-Eu pus as tartarugas no aquário , sim senhor. Ainda não endoideci. Sei bem o que fiz. E também sei que elas desapareceram. Só não sei como é que tu em vez de ajudares, nada. Só ficas aí a chatear-me.

-Pronto, vá lá, desculpa. É que elas ainda são pequeninas, como poderão ter saído do aquário se ninguém as tirou? É estranhou. Não percebo o que poderá ter acontecido.

-Nem eu. É o que mais me confunde. O que raio terá acontecido?

29.5.09

O povo do norte ergueu a sua voz

Um grito atemorizador correu o ar

Perfurou fundo os ouvidos inimigos

As armas tremeram

Os joelhos fraquejaram

O coração inimigo sincopou.

28.5.09

Palavras #161 a 163

estrídulo - adj. Estridente.

Alimária - s. f. 1. Animal irracional (em geral). 2. Fig. Pessoa estúpida.

dipsomania - s. f. Excessiva propensão para beber.

25.5.09

Ainda hoje

Depois de tanto mundo

Vagueio em busco

Da minha Ítaca

Engolida pelas chamas

Submersa em tanto mar

Sem regresso possível

Resta seguir linhas emotivas traçadas sobre mapas imaginários

Talvez um dia encontre

Outra alma exilada

E junto construiremos

Um lar deambulante

Outra ítaca perdida

24.5.09

I grew up in the shadow of a book that does not exist. Fantasy tales played only on my mind, but never revealed on those pieces of paper usually known as books.

23.5.09

As Memórias de olhar para cima II

Queijinhos Frescos

A minha família é oriunda da Beira Baixa, mais concretamente do Concelho da Sertã, freguesia de Cernache do Bonjardim. Este sempre foi o nosso rumo de férias e de fim-de-semana.

Lembro-me de muitos episódios na quinta dos meus avós, mas havia um ritual que era certo. Nas nossas visitas a minha avó Jaquina dava-nos sempre bolachas waffer com recheio de baunilha, que comprava e tinha sempre guardadas para nos dar. Mas não só. Havia sempre também broa e queijo de cabra frescos feitos por ela. Sabia tão bem. Ainda hoje a sua memória é saborosa.

Imaginem três horas de viagem de carro e depois chegar e ter um lanche com queijinho fresco. Não havia melhor.

20.5.09

Ser melhor

Envia alguém que me ame
Preciso descansar em braços

Que me resguardem da dor

Na chuva que cai

Dá-me um verão sem fim
Deus, pois temo o frio
Sinto que envelheço
Antes do tempo

Enquanto a minha alma se cura da vergonha
Crescerei através da dor
Deus, faço tudo o que posso

Para ser melhor

Calma com a minha consciência
Porque não é culpa minha
Sei que me ensinaram
a assumir a culpa

agora sei que os meus anjos
hão-de colher as minhas lágrimas
e amparar
a minha dor

assim que encontrar o tal
a que estou destinada
o amor que me envolve
o amor que me envolve

conheço quem caiu
em chão de pedra
mas que o amor envolveu

Better Man, Robbie Williams

14.5.09

Palavras #158 a 160

recalcitrante - adj. 2 gén. 1. Que recalcitra; desobediente; obstinado. s. 2 gén. 2. Pessoa que recalcitra.

pletora - s. f. 1. Med. Superabundância de humores ou sangue. 2. Bot. Estado de uma planta à qual um excesso de alimentação impede de dar flores e frutos. 3. Fig. Mal-estar causado por excesso de vida ou de actividade!atividade fisiológica.

Estase s. f. 1. Med. Estagnação ou imobilidade do sangue ou dos humores nos vasos capilares. 2. Fig. Entorpecimento; paralisação.

13.5.09

i'm a freefaller

queda livre - pessoas ousadas, mas podem ser nervosas e susceptíveis, além de não gostarem de críticas ou de situações extremas.

Cortesia de Não compreendo as mulheres .

12.5.09

O passado constrói-nos. Somos fruto da nossa memória. Mas se não somos o que aspirámos ou o que nos é exigido neste aqui e agora, que mudanças mais natural do que transformar o passado? É necessário hoje reconstruir a memória futura.

11.5.09

Os rapazes

Passeiam no pontão ao fim do dia
Com uma bola aos pés

Correm, driblam, sustentam o golo imaginário

Festejam a finta, a vitória
Repousam enfim
Na proa do barco que ainda esta noite buscou alimento

Amanhã será outra labuta

Perdem o olhar no horizonte

Perdem as mãos nos seus corpos

Quentes, molhados de mar e suor

Arrepiados da roupa fria, do desejo

A pele arrepanhada

O sal na tatuagem

O traço de saliva na coxa

O roçar da barba na virilha

O sabor agridoce

O tempo suspenso, na inspiração contida

O encaixe perfeito

No mesmo ritmo, na mesma ânsia

A queda no vazio

Sem força, em braços abraçados

O sol extingue-se

Confundem-se as estrelas

No brilho do olhar

Os rapazes trocam

Mais um beijo, dois, três

De novo a ânsia

De novo os gemidos

Ocultos na sombra

Sentidos no corpo

Os rapazes emergem

Para de novo se afundarem

Um no outro

Até que o grito ecoa na noite.

10.5.09

diálogo escaldante

-vem.
-Está muito calor.
-Sim, mas vem.
-Epá, não.
-Vá lá.
-Porra, está demasiado calor. Sinto-me desconfortável, transpirada e peganhenta. Agora não.
-Qual é o problema? Vais acabar assim mesmo.
-Já disse que agora não. Mais logo, quando estiver mais fresquinho.
-Mas está-me a apetecer agora.
-E a mim não. Que queres que faça?
-Sabes bem o que quero.
-Mais logo, a sério. Mais logo compenso-te.
-Compensas mesmo?
-Sabes bem que sim. Vai ser muito melhor do que agora, que até me custa a respirar. Logo vou compensaR-te, muito bem compensado. Tomamos um duche antes, para ficarmos fresquinhos e depois é como tu quiseres, quando quiseres, onde quiseres.
-Não sei se aguento até logo.
-Aguentas sim. Vai pensando como queres ser compensado e verás que aguentas. A expectativa pode fazer milagres.

9.5.09

Sou uma pessoa fora do tempo
Vivo do que já passou
Nunca do imediato
Tudo em mim necessita de processamento, de maturação
Sou incapaz do aqui e agora

Leio o jornal não de hoje, de há semanas
O meu agora é sempre o passado dos outros
Só conheço o mundo pelos documentos
Nunca pela notícia efémera
Impossível de digerir no agora

8.5.09

JB – Parte da minha história I

Durante a faculdade tive uma paixão não muito secreta, nem invulgar. Como tantas outras jovens ainda a descobrir o mundo, deixei-me encantar por um professor. Dir-se-ia mesmo que é um clássico: quem nunca teve uma qualquer paixoneta como esta?

A minha foi bastante singela. Não passou de alguns suspiros disfarçados, mas penso que adivinhados por ele. Nunca me fez um comentário que o demonstrasse, mas, observando o passado com o olhar da experiência, vejo bem que não consegui ser o quão discreta desejava ser. Ingenuidades.

Como já disse, ele nunca fez qualquer tipo de comentário, nem eu. Aliás, o facto de ostentar uma aliança no anelar esquerdo e utilizar frequentemente exemplos com histórias dos filhos era para mim motivo mais que suficiente para nada tentar. Mas como todos já sabemos, qualquer paixoneta não concretizada deixa em nós um rasto que perdura, mesmo que outros amores ocorram.

Há uns meses tive de ir à faculdade para pedir um novo certificado de habilitações. Aproveitei para refazer alguns dos percursos de então. Constatei uma série de mudanças: algumas obras de beneficiação, algumas ampliações, mudanças de departamentos. Mesmo sendo o lugar onde passei 4 anos, esses lugar e tempo parecem muito longínquos: numa outra vida.

Aproveitei para almoçar na Casa da Micas, o nosso poiso habitual após as aulas. Também está diferente, mas continua ainda um poiso para a malta. Havia dias em que passávamos lá mais tempo do que nas próprias aulas. Não sei mesmo como nunca fomos convidados a sair.

Estava já sentada quando ele entrou e olhou em redor à procura de um lugar para se sentar também. Foi uma sensação estranha revê-lo. Mesmo sem o intenso remoinho no estômago de há anos, senti à mesmo um aperto instantâneo, um reflexo condicionado reminiscente.

Viu-me e parou uns segundos a olhar-me. A tentar buscar na sua mente a memória de mim. Sorri.

- olá professor!
- Olá, então por aqui? Há muito que não a via.
- É verdade. Tive de vir à secretaria e aproveitei para almoçar. Não me quer fazer companhia? A não ser que tenha alguma coisa marcada, claro. Não quero atrapalhar.
- Não atrapalha nada. Tenho imenso gosto em almoçar consigo. Já lá vai muito tempo, quanto ao certo?
- A brincar, a brincar, 10 anos, professor.
- Por favor, não me chame professor, afinal já não sou seu professor.
- É do hábito.
- Uma vez professor, sempre professor. Não há volta a dar. Não há aluno meu que não me trate por professor. Até eu quando encontro os meus não consigo evitar.
- Acredito.
- Então, o que é feito de si. É sempre bom saber por onde andam os nossos alunos.

6.5.09

jogo cruel

O mundo está em chamas
E só tu me podes salvar

É estranho o que o desejo leva os tolos a fazer

E nunca sonhei necessitar de alguém como tu

E nunca sonhei perder alguém como tu

Não, não quero apaixonar-me
(este mundo só nos quebra o coração)
por ti
(este mundo só nos quebra o coração)

Que jogo cruel de jogar;
Fazer sentir-me assim.
Que coisa cruel de fazer;
Fazer-me sonhar contigo.
Que coisa cruel de dizer;
Tu nunca te sentiste assim.
Que coisa cruel de fazer;
Fazer-me sonhar contigo.

Não, eu quero apaixonar-me
(este mundo só nos quebra o coração)
Por ti
(este mundo só nos quebra o coração)

eu não

ninguém ama… ninguém

Wicked Game, Chris Isaak

4.5.09

blackred rose, E. E. Cummings

XLIII

if there are any heavens my mother will (all by herself) have
one. It will not be a pansy heaven nor
a fragile heaven of lilies-of-the-valley but
it will be a heaven of blackred roses

my father will be (deep like a rose
tall like a rose)

standing near my

(swaying over her
silent)
with eyes which are really petals and see

nothing with the face of a poet really which
is a flower and not a face with
hands
which whisper
This is my beloved my

(suddenly in sunlight

he will bow,

& the whole garden will bow)

3.5.09

Pouco a pouco

O peito desoprime

A respiração retome o seu ritmo

E o fôlego viaja fundo

Em busca do sossego.

Cessa a ânsia

2.5.09

Sobre dinheiro

É virtualmente impossível na sociedade actual (sobre)viver sem dinheiro. O mínimo produto ou serviço tem um custo, embora por vezes difícil de quantificar e nem sempre imputável ao consumidor final. Sendo impossível fugir ao dinheiro, o que nos diferencia é o modo como lidamos com ele: é o nosso fim ou apenas o meio de obter o que desejamos.
Para mim o dinheiro não é um fim em si. É um meio que me permite realizar tarefas, concretizar objectivos e adquirir produtos que me dão prazer. Não necessito de muito dinheiro para viver. Os meus gostos não são excessivamente caros. Sou até parca de ambições.
Já tive momentos de maior desafogo financeiros e foi óptimo. Permitiu-me fazer e ver uma série de coisas. actualmente, as minhas finanças são mais apertadas e os meus gastos cingem-se ao básico. O que pode ser frustrante, pois limitou a minha vida social e consequentemente provocou alterações algumas alterações no modo como me relaciono com as pessoas. Não devia, mas é verdade. 
 
 

1.5.09

Porquê ler os clássicos?

Das minhas leituras, normalmente não fazem parte os clássicos, pelo menos no que diz respeito a períodos literários que não o contemporâneo. Talvez devido ao regime paradigmático com que somos servidos nos nossos anos de formação, mas com o qual poucas vezes estabelecemos uma relação de empatia. Não fujo da leitura dos clássicos, mas na verdade também não a procuro. A não ser, é claro, que obrigações curriculares assim o ditem.

É verdade que acabam por ser uma leitura prazeiroza, mas quando encontramos um leque de autores e temas que nos intrigam e apelam, temos a tendência para mantermos as nossas leituras nessas áreas e isso acaba por afastar-nos dos clássicos, ou pelo menos no meu caso assim acontece.