Sempre me lembro de haver livros em minha casa, embora não tenha memória de os ver serem lidos. Existiam algumas colecções de encadernação cuidada que compunham uma estante dignificante na sala. Eram sobretudo de clássicos portugueses – Camilo Castelo Branco, Camões, Júlio Dinis, Eça de Queirós, mas, à excepção das leituras escolares obrigatórias, nunca foram lidos. Estas colecções foram todas adquiridas através do Círculo de Leitores, que foi durante anos o único meio de comprar livros em Agualva-Cacém, onde vivo, e onde não havia qualquer livraria. A selecção era efectuada em função das colecções, o que dispensava a escolha de títulos diferentes em cada edição da revista da editora. Gradualmente as escolhas passaram a ser da responsabilidade dos filhos e sem qualquer restrição, a não por vezes a financeira. Quanto às escolhas dos meus irmãos – rapazes 10 e 8 anos mais velhos, estas recaíam sobretudo em livros de aventura e espionagem. Recordo algumas aventuras de Emílio Salgari, Clive Cussler, Martin Cruz Smith. Não li nenhum destes, mas li todas as aventuras de Sherlock Holmes, por Sir Arthur Conan Doyle, que se deve com certeza à exibição na RTP da respectiva série televisiva.
Adquiri hábitos de leitura nos últimos anos de escola primária e durante o ensino preparatório. Tal deveu-se ao facto de não frequentar nenhum Jardim-de-infância ou ATL, o que me obrigava a acompanhar a minha mão para o seu local de trabalho e a entreter-me enquanto ela o realizava.
Recordo que as minhas primeiras leituras foram livros infantis como 365 histórias de encantar, provérbios e adivinhas e mais tarde a série Uma Aventura, cujos livros eram ofertas frequentes de Natal e aniversário. Paralelamente, percorri os valores morais da Condessa de Ségur, que ainda hoje me fazem sentido e que foram talvez as primeiras leituras a contribuir directamente para a formação do meu carácter.
No secundário, talvez por alguma rebeldia inerente à idade, decidi não ler as obras de leitura obrigatória para o 10º e 11º e, em vez disso, adquiri alguns livros de Notas da Europa-América. Não foi exactamente uma experiência muito aliciante, pois percebi que não sabia pormenores importantes para a discussão das obras. Por isso mesmo, na disciplina de Literatura portuguesa do 12º ano, li todos os livros obrigatórios. Foi uma experiência muito mais recompensadora e que me permitiu diferentes níveis de compressão, quer das obras, quer dos contextos, e até em termos de preferências pessoais. Ainda hoje, Miguel Torga é um poeta de eleição e o mito de Orfeu um tema recorrente nas minhas escolhas e até ponderações.