Ler Ferreira de Castro 40 Anos Depois

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3.1.07

O temporal

A meteorologia previu um temporal para esta noite. A chuva começou. Já corri a casa a verificar se todas as janelas estavam fechadas. A chuva cresce de intensidade. Daqui a pouco o seu som a bater nas janelas será quase ensurdecedor. Os minutos parecerão uma eternidade.

O ribeiro irá aumentar de volume. Trará consigo o lixo dos outros, as plantas incapazes de resistir à força da corrente e até pequenos restos mortais de animais. A luz do candeeiro vai diminuir de intensidade há falta de quem iluminar. As gentes estão no interior das suas casas e apenas de quando em quando se deslocam à janela para tentar perceber no céu ou na escuridão algum indício de o final do mau tempo está para breve. Apenas algumas quase pessoas se abrigam como podem de baixo de vãos de escada que não protegem da humidade da noite nem da água que escorre pelos degraus abaixo.

Esta noite será de quase silêncios entre as gentes nas suas casas ansiosas pelo fim do dilúvio. Somente alguns poucos murmúrios emitirão algo como: isto hoje está mau; Deus queira que passe rápido; sabemos que a chuva é precisa, mas assim só vai estragar tudo; coitados desses desgraçados que andam aí na estrada ou dos que não têm um tecto em cima; só espero que não haja nenhuma inundação; e mais… mais…

E a certa altura ouvir-se-á um silêncio quase sepulcral lá fora. Dentro das casas, as gentes arrastarão ligeiramente s cadeiras para trás ao levantarem-se. Dirigir-se-ão às janelas e novamente olharão os céus; será que já acabou ou foi apenas uma pausa?

O vento levantar-se-á e fará estremecer os vidros. Aos poucos, começam os barulhos: vozes; carros que iniciam a sua marcha, os televisores dos vizinhos murmuram sons indecifráveis e ocupam os silêncios domésticos.

A ordem parece reposta.

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