Alexander Khokhlov |
Há muito que os médicos já explicaram o porquê e o como da visão em túnel, mas ainda assim a esperança (ou o desespero) sobrepõem-se sempre à razão. E não há razão que nos prepare para o final de tudo o que conhecemos, como conhecemos. Então, no final, descobri-me tão crente como os demais. Parece que sim, que a esperança é a última a morrer.
Recuperei a esperança que julgava perdida. Há anos atrás, delapidada por tanto e por tantos. Recuperei a esperança e não me deparei com nenhuma luz final. Nenhum acolhimento, nenhuma aceitação.
Acordei com uma dor exacerbante no peito. Um tiro perdido: segundo os médicos, um milésimo e um milímetro de sorte ao lado de uma artéria vital. A luz que me recebeu pertence ao BO das urgências hospitalares. Mas também não foi surpresa: a luz que conheço de outras visitas a outras urgências: outras tentativas de provar a minha mortalidade. Uma imunidade atípica a infecções e produtos tóxicos. Uma resistência invulgar a descargas elétricas e hemorregias. Sem explicações médicas plausíveis, apenas acaso, sorte, milagre.
Tudo o que poderá ou não justificar os meus quase 80 anos de vida que explico como um engano de emissão de documentos quando os demais vêem alguém com uns aparentes 30 e poucos anos.
Sem explicações, sem conhecimento de outro como eu, sem que me vejam como uma anormalidade, continuo insistentemente – sem sucesso – a tentar provar a minha mortalidade. Quando chegará?
Conseguirei a sanidade necessária para espera-la, para recebe-la? Tudo começa já a pesar: as memórias, os sentimentos, as perdas e o futuro assemelha-se apenas a um somatório de dores. Preciso do descanso da noite eterna sem sonhos confusos como os dias, como as ansiedades. O descanso do guerreiro em tempo de paz. Tudo o que procuro é paz.
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