A palavra cultura implica associações diferentes segundo o desenvolvimento de um indivíduo, de um grupo ou classe, ou de toda uma sociedade. A minha hipótese inclui o conceito de que a cultura do indivíduo depende da cultura de um grupo ou classe e de que a cultura de um grupo ou classe depende de toda a sociedade a que pertence esse grupo ou classe. Assim, a cultura da sociedade é a cultura fundamental, por essa razão, devemos examinar em primeiro lugar o significado do “termo” cultura em relação a toda a sociedade.
Eliot, T. S., Notas para uma definição de cultura, p. 22.
Eliot, T. S., Notas para uma definição de cultura, p. 22.
A noção de cultura tem tido uma evolução paralela à da humanidade e tem procurado, desde sempre, definir como é que o homem se relaciona com o seu meio ambiente, seja ele físico ou social. Desde a simples e concreta acção de transformação do meio físico, através, por exemplo da agricultura, esta noção compreende actualmente uma complexa, e muitas vezes subliminar, rede de interacções sociais. Assim, o conceito de cultura é provavelmente um dos mais dinâmicos, pois terá sempre, de tempos a tempo, de adaptar-se às variações dessa mesma acção, que nunca será a mesma a cada momento nem para cada elemento ou grupo que compõe a sociedade.
Ciente desta complexa teia de interacções, Eliot mais do que procurar uma definição estanque e amplamente aceite, procura antes estabelecer limites de intervenção dessa mesma cultura e perceber quais são as suas áreas indiscutíveis de acção.
Assim, estabelece a existência de três acepções de cultura – individual, de grupo e de sociedade -, e também a existência de três condições essenciais à sua existência – uma estrutura orgânica, uma delimitação geográfica e um equilíbrio social.
Eliot ao apontar três acepções de cultura, classifica-as como inferior, média e superior. A cultura da sociedade, como um todo, significa que esta atingiu um estágio superior. E é essa a acepção fundamental quando procurar definir cultura. No entanto, sendo este o nível superior, não se pode abstrair nos níveis inferior e médio que a compõem. Deste modo, procura analisa-los e aponta alguns dos seus aspectos.
Quanto à cultura do indivíduo, há a tendência para que se mescle esta noção com a de perfeição. Esta tendência demonstra o perdurar da trindade dos valores clássicos - beleza, justiça e verdade - nos valores actuais. Assim, o indivíduo culto é um indivíduo sábio, detentor da verdade, capaz da justiça e apreciador da beleza. Ou seja, este é um estágio a que o indivíduo aspira, mas não é necessário atingi-lo para que se tenha cultura. Como o próprio Eliot indica “a pessoa que contribui para a cultura, seja qual for a importância da sua contribuição, nem sempre é uma pessoa culta” .
No que se refere à cultura de grupo, Eliot chama a atenção para a confusão que muitos autores fazem entre grupo e elite. Embora sejam noções que se tendem a misturar, há que notar que cada grupo ou classe detém uma elite, mas que uma elite não é necessariamente uma classe, que se define por ter uma cultura própria. Por exemplo, a classe dos advogados detém uma cultura própria, que advém da sua ética e das práticas profissionais que lhe são características, mas nem todos os seus membros fazem parte de uma elite. A elite dos advogados será composta por elementos que se destaquem profissionalmente, elementos com poder decisório (por exemplo, membros do bastonário), e líderes de opinião.
Eliot considera que as diferenças sociais, ou de classes, se perpetuam e que a educação tem um papel preponderante nesta manutenção. Mas com o advento da democratização de acesso à informação e consequentemente da cultura, coloca-se a questão: como é feita a transmissão de cultura. Eliot defende que esta é feita através de uma herança. Este pensamento será posteriormente desenvolvido por Pierre Bourdieu com a sua teoria da distinção. Bourdieu constrói a sua teoria da estratificação social baseada no gosto estético e define campos (arenas sociais) e hábitos (esquemas de percepção adquiridos) para cada classe . Esta noção de herança é oposta à noção de mecanismos de selecção defendida por outros autores. Estes mecanismos de selecção adaptam a teoria darwinista da evolução do mais apto. Ou seja, seriam os indivíduos com aptidão natural os “eleitos” destinados a uma educação. No entanto, nunca se conseguiu dar uma resposta concreta sobre quais seriam e como se levariam a cabo estes processos de selecção. Eliot considera que estes mecanismos só seriam viáveis numa sociedade não estratificada e como não considera que tal venha a acontecer no futuro, coloca de parte este modo de transmissão de cultura.
Uma realidade igualmente importante para a qual chama a atenção é a desintegração cultural da sociedade. Esta caminha cada vez mais para o desenvolvimento de grupos de cultura especializada. A especialização cria assim fossos de separação que impedem um diálogo criativo entre os vários grupos e impedem a evolução de uma sociedade. Sem diálogo, a sociedade estagna e colapsa, pois esta deixa de agir enquanto unidade dinâmica. Dai, que seja interessante observar como as sociedades actuais apelam tanto ao diálogo intercultural, se que este ano se comemora o ano internacional.
Assim, não se pode pensar em cultura como algo estanque e privilégio de um único grupo ou de pessoas específicas. Esta é transversal a toda a sociedade, embora cada individuo ou grupo apresente traços culturais característicos e específicos. A cultura, pela cultura, não se atinge. É “o produto de uma variedade de actividades mais ou menos harmoniosas, cada uma realizada em virtude do seu próprio mérito” .
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