30.4.12
#92 @ 101 em 1001 – Jardins e Palácio de Monserrate
Este é talvez o mais emblemático exemplo do trabalho que a Parques de Sintra Monte da Lua tem vindo a realizar no âmbito da recuperação do património sintrense. Só tenho uma coisa a dizer: fiquei deslumbrada. Aconselho a visita a todos, só assim poderão perceber a magnitude e beleza do trabalho efetuado.
29.4.12
A Vida Paralela, Rui Pires Cabral
tão longe: uma cidade morta
vive ainda na rara canção.
Escuta as palavras que ensina
a mostrar: a noite, o regresso
ao quarto emprestado,
as caves com livros
de Charing Cross Road
e o tempo lá fora
tão frio.
Rui Pires Cabral. Ladrador, Lisboa: Averno, 2012.
Sem tempo (2011)
Num futuro não muito distante, o tempo é a única moeda de troca. O mundo gere-se como um imenso banco de tempo, não do nosso tempo livre, mas de todos os minutos da nossa vida. Assim, a pobreza é de quem tem um tempo limitado de vida e a riqueza de quem tempo para todos os ócios. E, é claro, a disparidade entre uns e outros é imensa.
Este é o cenário propicio para que um casal improvável (a jovem rica e o jovem proletário) se juntem, qual Bonnie e Clyde de nottingham futuristas, para diminuir estas disparidade e destabilizar o sistema vigente. Pelo meio ficam algumas reflexões superficiais sobre o porquê da imortalidade, o que fazer com ela, o que fazemos do nosso tempo, o que valorizamos, procrastinamos porque temos demasiado tempo nas nossas mãos, onde e em que o desperdiçamos, com quem o partilhamos. E não gostando da música de Justin Timberlake, é com agrado que me parece melhor actor do que cantor.
Título original: In Time * Realização e Argumento:: Andrew Niccol * Elenco: Justin Timberlake, Amanda Seyfried, Olivia Wilde, Cillian Murphy e Matt Bomer
28.4.12
PRONOMINAIS, oswalde de Andrade
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabidoDa Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
Deixa disso camarada
Interrompi a leitura a 13 do 12 de 11 apenas para registar a lápis a data na margem da página 55. Além da capicua da data, pareceu-me interessante fazê-lo num número redondo, dentro de um número redondo.
Não sei que simbologia posso atribuir ao acto, desconheço a linguagem secreta dos números. Apenas vislumbro os significados óbvios do conjunto de letras que leio através dos dicionários. É lá que tento apreender algum sentido para as sequências de letras que diariamente se dispõem perante os meus olhos como que querendo dizer-me algo. E eu não oiço.
Mas continuo, na esperança de que algum dia faça sentido. Um dia ouvirei o murmúrio suave das letras e no seu (en)canto saberei o que sustenta o céu azul, quem ilumina o sol a cada dia, como a lua alumia cada noite do nosso caminho, como a água clarifica os nossos olhos. Um dia saberei ordenar as letras com sentido.
Então, a página 55 deixada por ler a 13 do 12 de 11 será um registo de que não terei memória.
Não sei que simbologia posso atribuir ao acto, desconheço a linguagem secreta dos números. Apenas vislumbro os significados óbvios do conjunto de letras que leio através dos dicionários. É lá que tento apreender algum sentido para as sequências de letras que diariamente se dispõem perante os meus olhos como que querendo dizer-me algo. E eu não oiço.
Mas continuo, na esperança de que algum dia faça sentido. Um dia ouvirei o murmúrio suave das letras e no seu (en)canto saberei o que sustenta o céu azul, quem ilumina o sol a cada dia, como a lua alumia cada noite do nosso caminho, como a água clarifica os nossos olhos. Um dia saberei ordenar as letras com sentido.
Então, a página 55 deixada por ler a 13 do 12 de 11 será um registo de que não terei memória.
27.4.12
UMA VEZ QUE JÁ TUDO SE PERDEU, Ruy Belo
Que o medo não te tolha a tua mão
Nenhuma ocasião vale o temor
Ergue a cabeça dignamente irmão
falo-te em nome seja de quem for
No princípio de tudo o coração
como o fogo alastrava em redor
Uma nuvem qualquer toldou então
céus de canção promessa e amor
Mas tudo é apenas o que é
levanta-te do chão põe-te de pé
lembro-te apenas o que te esqueceu
Não temas porque tudo recomeça
Nada se perde por mais que aconteça
uma vez que já tudo se perdeu
Nenhuma ocasião vale o temor
Ergue a cabeça dignamente irmão
falo-te em nome seja de quem for
No princípio de tudo o coração
como o fogo alastrava em redor
Uma nuvem qualquer toldou então
céus de canção promessa e amor
Mas tudo é apenas o que é
levanta-te do chão põe-te de pé
lembro-te apenas o que te esqueceu
Não temas porque tudo recomeça
Nada se perde por mais que aconteça
uma vez que já tudo se perdeu
in Obra Poética de Ruy Belo, volume 1, Lisboa: Editorial Presença, 1981. p. 164
Kerstin Zu Pan |
O que toda a gente sabe, ou julga que sabe, é o que faria com a vida dos outros, com as suas oportunidades, o seu bem estar, o seu conforto. Somos todos treinadores de bancada das vidas alheias, por isso nos divertimos com a imprensa que escrutina os podres e pormenores dos famosos. Com as suas vidas somos sábios na disposição e escolha dos dias. O que não somos é com a nossa vida. Com as oportunidades que desperdiçamos, com o bem estar que julgamos seguro, com o conforto que nos imobiliza.
26.4.12
VICIO NA FALA, Oswalde de Andrade
Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mio
Para pior pió
Para telha dizem teia
E vão fazendo telhados
Para melhor dizem mio
Para pior pió
Para telha dizem teia
E vão fazendo telhados
Nunca entendeste porque, em vez de flores, quis livros.
As flores vivem quando estão na terra e rapidamente se eclipsam sem a sua força primordial. Os livros não têm raízes, florescem quando de mão em mão visitam novos homens, novas pátrias.
As flores são efémeras, findam-se a cada pôr do sol. Os livros vivem da luz que cada leitor derrama sobre as suas entrelinhas, por vezes escritas a lápis.
Por isso, de ti só queria livros para imaginar e, quiçá, uma sebenta para o esquisso de nós.
25.4.12
Libera Me, Carlos Queiroz
Livrai-me, Senhor,
De tudo o que for
Vazio de amor.
Que nunca me espere
Quem bem me não quer
(Homem ou mulher).
Livrai-me também
De quem me detém
E graça não tem,
E mais de quem não
Possui nem um grão
De imaginação.
De tudo o que for
Vazio de amor.
Que nunca me espere
Quem bem me não quer
(Homem ou mulher).
Livrai-me também
De quem me detém
E graça não tem,
E mais de quem não
Possui nem um grão
De imaginação.
in Poesia de Carlos Queirós, Lisboa: Editorial Presença, 1966.
24.4.12
AS MENINAS DA GARE, Oswalde de Andrade
Alberto Emiliano Seveso |
Seduz-nos com o enigma da sua perfeição
Amar o feio é exigente
Requer um esforço para ver
Além dos traços desarmoniosos
Da luz baça dos dias
E ao feio bastam apenas migalhas dos grandes sentimentos
Insuficiente que se considera para a plenitude
Que não tem em beleza.
23.4.12
#91 em 101 em 1001 – Convento dos capuchos
Uma das minhas muitas lacunas culturais é o desconhecimento do património e história sintrenses. Nesse sentido, tenho feito um esforço para conhecer os locais mais emblemáticos de Sintra e perceber o porquê da sua importância e o impacto que os mesmos têm para visitantes exteriores.
Recentemente, visitei, em trabalho, o convento de Santa Cruz da Serra de Sintra, vulgo convento dos Capuchos. Este convento, datado de 1560, albergou a ordem dos Frades Menores ou Franciscanos, seguidores de S. Francisco de Assis, apologista da contemplação e comunhão com a natureza. Após vários anos de negligência, está desde 2000 sob a tutela da Parques de Sintra Monte da Lua, entidade que tem feito gradualmente um trabalho notório na recuperação do património natural e edificado deste concelho, potenciando o mesmo como ferramenta cultural e turística.
A visita ao convento impressionou-me. Com as suas reduzidas dimensões, obriga-nos a imaginar e ponderar sobre as condições de vida dos monges que ali habitara. A exiguidade dos cómodos, corredores e tetos, as condições atmosféricas da serra, a agricultura e pastoreio de sobrevivência são situações que nos consciencializam sobre a austeridade a que estes homens se votavam em nome de uma crença religiosa.
Num tempo em que a austeridade nos é imposta, em que crenças e valores são diferentes, é impossível não respeitar esta estranha forma de vida.
MUITA DIFICULDADE, Adilia
22.4.12
MÃE, Mª Judite de Carvalho
Se é triste não ter Mãe,
Não ter filhos é também,
Mãe, todos nós a temos,
Cegos,
Cegos,
Por vezes não a vemos.
Mãe que dá a vida,
Mãe que sofre,
Mãe que educa,
Mãe que exige,
Parecendo má, sem o ser,
Sofre sempre, até morrer.
Sofre as agruras da vida,
Sofre até pró filho ter.
Sofre para lhe dar a vida,
Sofre para o ver crescer.
Sofre quando o vê doente,
Sofre se o não vê comer.
Sofre se ele não estuda,
Sofre se ele é indulgente.
Sofre se não está contente,
Sofre se o vê triste,
Sofre se o amor não o assiste.
Sofre se o vê casar,
Sofre se o não vê estimar.
Sofre sempre pelos filhos,
Sofre sempre e tem cadilhos.
Mas ser Mãe, é mais que isto,
É também amar e dar,
É dar até o seu ser,
Dar sem nada receber.
21.4.12
DOIS CIMBALINOS ESCALDADOS, Inês Lourenço
irradiava mais calor, se
a chávena escaldada, se
o cimbalino fervente, se
as conversas sobre livros de poesia
que nesse tempo, ainda
acreditávamos ser a maior
razão
Curto, normal, cheio
o cimbalino, esse negro odor
com moldura branca
numa mesa de café, na cidade onde habitávamos desde sempre.
20.4.12
CANSAÇO, Álvaro de Campos
Andrew Bell |
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...
in "Poemas"
Que validade tem o que aprendemos sobre o amor nos filmes?
Andy Barter |
E pergunto-me sempre, como será este amor arrebatador depois do quotidiano, com as suas rotinas, os seus cansaços, frustrações e desilusões, e toda a gestão de emoções que muitas vezes nem tempo, nem espaço temos para processar.
Compreendo que nada sei sobre o amor romântico, o que aprendi foi só nos filmes. Esses amores maiores do que a vida, que resistem a tudo e a todos, que florescem e crescem. Na vida, onde anda esse amor que nos redime, que nos alenta, que nos conforta. Onde está?
19.4.12
Palavras #.248 a 250
arpente - s. m. Antiga medida agrária usada entre os gálios e depois adotada pelos romanos. = ARPENTO
negaça - s. f. 1. [Ornitologia] [Ornitologia] Ave artificial que atrai as que andam voando. 2. [Figurado] [Figurado] Engodo, atractivo.atrativo.atrativo. 3. Chamariz, reclamo. fazer negaças: engodar.
lornhão - (francês lorgnon) s. m. Par de lunetas seguradas com a mão através de uma haste vertical.
negaça - s. f. 1. [Ornitologia] [Ornitologia] Ave artificial que atrai as que andam voando. 2. [Figurado] [Figurado] Engodo, atractivo.atrativo.atrativo. 3. Chamariz, reclamo. fazer negaças: engodar.
lornhão - (francês lorgnon) s. m. Par de lunetas seguradas com a mão através de uma haste vertical.
Ordinal, Joana Jacinto
I
Espera um segundo.
Abre mão
das palmas dos olhos,
das palmas das mãos,
das palmas dos braços,
da palma do regaço,
das palmas dos pés
Nelas: todos os corações.
II
Espera um segundo,
Divide cada momento em seis.
Contempla o arco
o sol
Deixa cada momento morrer
na palma da tua mão.
As mulheres amam sempre.
Espera um segundo,
Estende a língua ao silêncio.
Sabe-o. Sobe
sobre o degrau último do tempo
Ouve-a, que paira.
As mulheres têm vários corações.
Espera um segundo,
Extrai os dias
da rocha
o tempo
Coloca-os sobre uma placa de madeira.
Destila o sal
do conta-momentos
momento-a-momento
a-tempadamente
fende:
Sagra dos dias a forma intacta.
As mulheres amam sempre.
Guarda o tempo,
momento-a-momento
recolhe-os para o verão.
III
chama-se relâmpago,
espelho.
Um no círculo das mãos
Um no círculo dos braços
chama-se tear,
edifício.
Um no círculo do regaço
chama-se pomo,
pérola.
Um no círculo dos pés
chama-se casa,
eternidade.
Espera um segundo,
Como se tivesses seis anos
e um sorriso de gengivas
o aguardasse debaixo da almofada pela manhã.
Tomas Rucker |
Espera um segundo,
Se eu te disser
‘Espera um segundo’
Confiarão os teus dias naquilo que os olhos ouvem?Espera um segundo.
Abre mão
das palmas dos olhos,
das palmas das mãos,
das palmas dos braços,
da palma do regaço,
das palmas dos pés
Nelas: todos os corações.
II
Espera um segundo,
Divide cada momento em seis.
Contempla o arco
o sol
Deixa cada momento morrer
na palma da tua mão.
As mulheres amam sempre.
Espera um segundo,
Estende a língua ao silêncio.
Sabe-o. Sobe
sobre o degrau último do tempo
Ouve-a, que paira.
As mulheres têm vários corações.
Espera um segundo,
Extrai os dias
da rocha
o tempo
Coloca-os sobre uma placa de madeira.
Destila o sal
do conta-momentos
momento-a-momento
a-tempadamente
fende:
Sagra dos dias a forma intacta.
As mulheres amam sempre.
Guarda o tempo,
momento-a-momento
recolhe-os para o verão.
III
Espera um segundo,
Des-conhece.
Des-arruma, des-compara, des-ordena
o cheio
chão das coisas.
Des-sê.
As mulheres têm vários corações.
Um no círculo dos olhoschama-se relâmpago,
espelho.
Um no círculo das mãos
chama-se pele,
esquisso.Um no círculo dos braços
chama-se tear,
edifício.
Um no círculo do regaço
chama-se pomo,
pérola.
Um no círculo dos pés
chama-se casa,
eternidade.
Espera um segundo,
Como se tivesses seis anos
e um sorriso de gengivas
o aguardasse debaixo da almofada pela manhã.
in Cràse n.º 1, Março 2010
18.4.12
Palavras #245 a 247
procrastinar - (latim procrastino, -are) v. tr. 1. Deixar para depois. = ADIAR, POSTERGAR, PROTRAIR ≠ ANTECIPAR v. intr. 2. Usar de delongas. = DELONGAR, DEMORAR, POSTERGAR ≠ ABREVIAR, ACELERAR, DESPACHAR-SE
gelosia - (italiano gelosia) s. f.s 1. Grade de fasquias de madeira que se coloca no vão de janelas ou portas, para proteger da luz e do calor, e através da qual se pode ver sem ser visto. = ADUFA, RÓTULA 2. Estrutura para fechar janela, porta ou varanda através de uma espécie de grade de malha fina que permite iluminação parcial e arejamento (ex.: gelosia de pedra). 3. Persiana que pode ser enrolada no topo. = VENEZIANA
repeso - s. m. 1. Ato de repesar. 2. Lugar onde se repesa. adj. 3. Arrependido.
gelosia - (italiano gelosia) s. f.s 1. Grade de fasquias de madeira que se coloca no vão de janelas ou portas, para proteger da luz e do calor, e através da qual se pode ver sem ser visto. = ADUFA, RÓTULA 2. Estrutura para fechar janela, porta ou varanda através de uma espécie de grade de malha fina que permite iluminação parcial e arejamento (ex.: gelosia de pedra). 3. Persiana que pode ser enrolada no topo. = VENEZIANA
repeso - s. m. 1. Ato de repesar. 2. Lugar onde se repesa. adj. 3. Arrependido.
in Frankenstein, Mary Shelley
Não não foi egoísmo meu, Alberto Teixeira Ribeiro
Ofélia, Toshiaki Kato |
Senhores
Foi antes o rio
Que num dia de desespero
Num dia como o de hoje
Ou talvez mais cinzento ainda
Se afogou em mim
Não não me atirei ao rio
Senhores
Tranquilizai-vos porém
O rio o vosso rio
Bebê-lo-ei todo é certo
Pois foi essa
A sua última vontade
Mas fá-lo-ei
Gota a gota gota a gota
Como quem
Voltou ao seio materno
E é de novo menino
Tranquilizai-vos pois
Senhores
Tendes tempo e de sobra
Para terminardes a regata
17.4.12
Frankenstein, Mary Shelley
Esta foi uma das minhas leituras obrigatórias na cadeira de Literatura Inglesa na faculdade. Foi igualmente uma das minhas favoritas, pois, como deveria ser apanágio das obras literárias, me fez refletir sobre a paternidade, a responsabilidade da criação e educação, e sobre a clonagem, na altura muito em voga por causa da ovelha Dolly. Exatamente por ter gostado tanto, e por ter cristalizado algumas opiniões e reflexões, fiquei surpreendida ao ler novamente este livro. Não é que a minha interpretação e opiniões se tivessem alterado, apenas me dei conta que já não recordava quase pormenores nenhuns sobre o enredo da mesma. Ou seja, retive as “lições”, mas esqueci por completo o modo como as adquiri. Assim, foi renovado interesse que observei elementos da construção do enredo (cartas, divisão em capítulos e volumes, as descrições paisagísticas, os elementos exóticos) e o modo como estes refletem a literatura e temas da época. Foi uma (re)leitura interessante.
Um homem tem que viver, Fernando Assis Pacheco
Um homem tem que viver.E tu vê lá não te fiques
-- um homem tem que viver
com um pé na Primavera.
Tem que viver
cheio de luz. Saber
um dia com uma saudade burra
dizer adeus a tudo isto.
Um homem (um barco) até ao fim da noite
cantará coisas, irá nadando
por dentro da sua alegria.
Cheio de luz -- como um sol.
Beberá na boca da amada.
Fará um filho.
Versos.
Será assaltado pelo mundo.
Caminhará no meio dos desastres,
no meio de mistérios e imprecisões.
Engolirá fogo.
Palavra, um homem tem que ser
prodigioso.
Porque é arriscado ser-se um homem.
É tão difícil, é
(com a precaridade de todos os nomes)
o começo apenas.
-- um homem tem que viver
com um pé na Primavera.
Tem que viver
cheio de luz. Saber
um dia com uma saudade burra
dizer adeus a tudo isto.
Um homem (um barco) até ao fim da noite
cantará coisas, irá nadando
por dentro da sua alegria.
Cheio de luz -- como um sol.
Beberá na boca da amada.
Fará um filho.
Versos.
Será assaltado pelo mundo.
Caminhará no meio dos desastres,
no meio de mistérios e imprecisões.
Engolirá fogo.
Palavra, um homem tem que ser
prodigioso.
Porque é arriscado ser-se um homem.
É tão difícil, é
(com a precaridade de todos os nomes)
o começo apenas.
in A Musa Irregular
16.4.12
Palavras #242 a 244
cerce - adv. 1. Rente; rente com o chão; pela raiz. adj. 2 g. 2. [Náutica] Diz-se da proa talhada a prumo.
inácia - (talvez de Inácia, antropónimo.) s. f. [Brasil, Informal] [Marinha] Norma ou regulamento.
hemiplegia - (hemi- + -plegia) s. f. [Medicina] Paralisia de um dos lados do corpo.
inácia - (talvez de Inácia, antropónimo.) s. f. [Brasil, Informal] [Marinha] Norma ou regulamento.
hemiplegia - (hemi- + -plegia) s. f. [Medicina] Paralisia de um dos lados do corpo.
VOCÊ TEM OS AMANTES, Leonard Cohen
Você tem os amantes
Eles não têm nome, suas histórias só eles sabem
Você tem o quarto, a cama e as janelas.
Finja que é um ritual.
Desembrulhe a cama, enterre os amantes, escureça as janelas,
deixe-os viver na casa por uma geração ou duas.
Ninguém ousa perturbá-los.
Visitantes no corredor andam na ponta dos pés diante da porta trancada,
tentando ouvir ruídos, algum gemido, uma canção:
nada é ouvido, nem mesmo a respiração.
Você sabe que eles não estão mortos,
você sente a presença de seu amor intenso.
Seus filhos crescem, saem de casa,
tornam-se soldados e cavaleiros.
Seu par morre depois de uma vida dedicada ao trabalho.
Quem te conhece? Quem lembra de você?
Mas na sua casa o ritual está em andamento:
Não acabou: é preciso mais gente.
Um dia abre-se a porta para o aposento dos amantes.
O quarto virou um denso jardim,
cheio de cores, cheiros, sons dos quais você nunca teve conhecimento.
A cama está suave como uma hóstia de luz,
solitária em meio ao jardim.
Na cama os amantes, lenta, deliberada e silenciosamente,
fazem amor.
Seus olhos estão fechados,
tão fortemente como se pesadas moedas de carne pousassem sobre eles.
Seus lábios estão machucados por novas e velhas feridas.
O cabelo dela e a barba dele estão completamente entrelaçados.
Quando ele encosta a boca no ombro dela,
não há como saber se o ombro
deu ou recebeu um beijo.
Toda sua carne é como uma boca.
Ele alisa com os dedos a cintura dela
e sente a própria cintura ser acariciada.
Ela o aperta bem forte e os braços dele a enlaçam.
Ela beija a mão ao lado de sua boca.
É sua própria mão ou a dele, não importa,
há muito mais beijos.
Você fica ao lado da cama, chorando de felicidade,
você descola cuidadosamente os lençóis
dos corpos em câmara lenta.
Com os olhos cheios de lágrimas, você mal distingue os amantes.
À medida em que se despe, você canta, e sua voz é magnífica,
porque agora você sabe que é a primeira voz humana
a soar naquele quarto.
As peças de roupa caem e se transformam em vinhas.
Você sobe na cama e recupera a carne.
Você fecha os olhos e permite que eles sejam costurados.
Você cria uma abraço e se deixa levar por ele.
Há um momento de dor ou dúvida
enquanto você tenta imaginar quantas multidões deitam ao seu lado,
mas uma boca beija e uma mão conforta e afasta esse momento.
Eles não têm nome, suas histórias só eles sabem
Você tem o quarto, a cama e as janelas.
Finja que é um ritual.
Desembrulhe a cama, enterre os amantes, escureça as janelas,
deixe-os viver na casa por uma geração ou duas.
Ninguém ousa perturbá-los.
Visitantes no corredor andam na ponta dos pés diante da porta trancada,
tentando ouvir ruídos, algum gemido, uma canção:
nada é ouvido, nem mesmo a respiração.
Você sabe que eles não estão mortos,
você sente a presença de seu amor intenso.
Seus filhos crescem, saem de casa,
tornam-se soldados e cavaleiros.
Seu par morre depois de uma vida dedicada ao trabalho.
Quem te conhece? Quem lembra de você?
Mas na sua casa o ritual está em andamento:
Não acabou: é preciso mais gente.
Um dia abre-se a porta para o aposento dos amantes.
O quarto virou um denso jardim,
cheio de cores, cheiros, sons dos quais você nunca teve conhecimento.
A cama está suave como uma hóstia de luz,
solitária em meio ao jardim.
Na cama os amantes, lenta, deliberada e silenciosamente,
fazem amor.
Seus olhos estão fechados,
tão fortemente como se pesadas moedas de carne pousassem sobre eles.
Seus lábios estão machucados por novas e velhas feridas.
O cabelo dela e a barba dele estão completamente entrelaçados.
Quando ele encosta a boca no ombro dela,
não há como saber se o ombro
deu ou recebeu um beijo.
Toda sua carne é como uma boca.
Ele alisa com os dedos a cintura dela
e sente a própria cintura ser acariciada.
Ela o aperta bem forte e os braços dele a enlaçam.
Ela beija a mão ao lado de sua boca.
É sua própria mão ou a dele, não importa,
há muito mais beijos.
Você fica ao lado da cama, chorando de felicidade,
você descola cuidadosamente os lençóis
dos corpos em câmara lenta.
Com os olhos cheios de lágrimas, você mal distingue os amantes.
À medida em que se despe, você canta, e sua voz é magnífica,
porque agora você sabe que é a primeira voz humana
a soar naquele quarto.
As peças de roupa caem e se transformam em vinhas.
Você sobe na cama e recupera a carne.
Você fecha os olhos e permite que eles sejam costurados.
Você cria uma abraço e se deixa levar por ele.
Há um momento de dor ou dúvida
enquanto você tenta imaginar quantas multidões deitam ao seu lado,
mas uma boca beija e uma mão conforta e afasta esse momento.
Tradução de Daniel Benevides (with a little help from Luiza Franco)
15.4.12
Palavras #239 a 241
ataxia - (cs) s. f. 1. Incoordenação patológica dos movimentos do corpo. 2. Desordem nos fenómenos.fenômenos psicológicos.
sículo - adj. 1. Relativo ou pertencente à Sicília. s. m.2. Natural da Sicília. sículos s. m. pl. 3. Antigo povo das margens do Tibre.
infrene - adj. 2 g. Desenfreado, desordenado; sem freio (moral).
sículo - adj. 1. Relativo ou pertencente à Sicília. s. m.2. Natural da Sicília. sículos s. m. pl. 3. Antigo povo das margens do Tibre.
infrene - adj. 2 g. Desenfreado, desordenado; sem freio (moral).
Je suis comme je suis, Jacques Prévert
Je suis comme ça
Quand j’ai envie de rir
Oui je ris aux éclats
J’aime celui qui m’aime
Est-ce ma faute à moi
Si ce n’est pas le même
Que j’aime chaque fois
Je suis faite comm ça
Que voulez-vous de plus
Que voulez-vous de moi
Je suis faite pour plaire
Et n’y puis rien changer
Mes talons sont trops hauts
Ma taille trop cambrée
Mes seins beaucoup trop durs
Et mes yeux trop cernés
Et puis après
Qu’est-ce que ça peut vous faire
Je suis comme je suis
Je suis à qui me plais
Qu’est-ce que ça peut vous faire
Ce qui m’est arrivé
Oui j’ai aimé quelqu’un
Oui quelqu’un m’a aimée
Comme les enfants qui s’aiment
Simplement savent aimer
Aimer aimer…Pourquoi me questionerJ
e suis là pour vous plaire
Et n’y puis rien changer.
Quand j’ai envie de rir
Oui je ris aux éclats
J’aime celui qui m’aime
Est-ce ma faute à moi
Si ce n’est pas le même
Que j’aime chaque fois
Je suis faite comm ça
Que voulez-vous de plus
Que voulez-vous de moi
Je suis faite pour plaire
Et n’y puis rien changer
Mes talons sont trops hauts
Ma taille trop cambrée
Mes seins beaucoup trop durs
Et mes yeux trop cernés
Et puis après
Qu’est-ce que ça peut vous faire
Je suis comme je suis
Je suis à qui me plais
Qu’est-ce que ça peut vous faire
Ce qui m’est arrivé
Oui j’ai aimé quelqu’un
Oui quelqu’un m’a aimée
Comme les enfants qui s’aiment
Simplement savent aimer
Aimer aimer…Pourquoi me questionerJ
e suis là pour vous plaire
Et n’y puis rien changer.
Paroles
14.4.12
SER, Ondjaki
seja beijo
seja vooseja andorinha
seja lago
seja pacatez da árvore
seja aterragem de borboleta
seja mármore de elefante
seja alma de gaivota
seja luz num olhar
seja um cardume de tardes
e grite: JÁ SOU.
101 poetas: Iniciação à poesia em língua portuguesa.
delinear um plano estratégico
nem todos somos capazes de olhar o futuro e traçar metas de
concretização. Quantos de nós olhamos ao redor das nossas atuais situações e
projetamos mais além? Mas num período instável e de recessão económica,
infelizmente, temos de acautelar determinadas situações e essas passam por manter
uma perspetiva sobre novas possibilidades e por delinear metas a atingir, e os
seus períodos de concretização.
A quanto tempo devemos definir os nossos planos? Há quem o faça a 10
anos, o que para mim é um período tão extenso que não consigo ter uma imagem de
mim tão longe no tempo. No entanto, 3 anos parece-me um período bastante
razoável, não demasiado longo que se torne abstrato, nem demasiado curto que só
permita delinear objetivos de curto prazo.
É claro que existem imponderáveis, mas esses eventuais tropeços não
impedem que delineemos objetivos, que até podem muito bem ser a nossa tábua de
salvação em caso colapso.
Em termos organizacionais, 3 anos pode até ser um período demasiado
curto ppara se ponderar. Não é à toa que, por exemplo, na política, os mandatos
sejam de 4 ou 5 anos. É que além de idealizar objetivos, é também necessário
tempo para proceder à sua concretização ou implementação, dependendo da
dimensão dos mesmos.
13.4.12
VIDA TODA LINGUAGEM, Mário Faustino
Vida toda linguagem,
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjetivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.
Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjetivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará – oh metáfora ativa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sêmen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam turvas trajetórias.
Vida toda linguagem –
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
E deus talvez, e nada
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, con-
[tra a chuva,
tenta fazê-la enterna – com se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe
à vida que é perfeita
língua
eterna.
frase perfeita sempre, talvez verso,
geralmente sem qualquer adjetivo,
coluna sem ornamento, geralmente partida.
Vida toda linguagem,
há entretanto um verbo, um verbo sempre, e um nome
aqui, ali, assegurando a perfeição
eterna do período, talvez verso,
talvez interjetivo, verso, verso.
Vida toda linguagem,
feto sugando em língua compassiva
o sangue que criança espalhará – oh metáfora ativa!
leite jorrado em fonte adolescente,
sêmen de homens maduros, verbo, verbo.
Vida toda linguagem,
bem o conhecem velhos que repetem,
contra negras janelas, cintilantes imagens
que lhes estrelam turvas trajetórias.
Vida toda linguagem –
como todos sabemos
conjugar esses verbos, nomear
esses nomes:
amar, fazer, destruir,
homem, mulher e besta, diabo e anjo
E deus talvez, e nada
Vida toda linguagem,
vida sempre perfeita,
imperfeitos somente os vocábulos mortos
com que um homem jovem, nos terraços do inverno, con-
[tra a chuva,
tenta fazê-la enterna – com se lhe faltasse
outra, imortal sintaxe
à vida que é perfeita
língua
eterna.
Cotovia, Deszo Kosztolanyi
Este é daqueles livros ao qual não teria chegado se não fosse por intermédio de um Clube de Leitura, neste caso do Museu Ferreira de Castro, e foi uma agradável descoberta. Escrito na década de 20 do século passado, retrata uma semana na vida de uma família húngara no final do século 19.
A vida desta família, constituída pelo casal e uma filha, é condicionada pelo fato da sua única filha, aos 35 anos, se manter solteira e, devido à sua feiura, serem nulas as hipóteses de casar. Mas, durante uma semana, os seus hábitos são alterados pela viagem de Cotovia, a filha, a casa de familiares. Durante esse período, os pais usufruem de uma inusitada liberdade e o autor proporciona-nos, de modo simples e irónico, algumas reflexões sobre o peso das perspetivas familiares e das expetativas sociais, do papel da mulher e dos “velhos”, de dinâmicas familiares, do vazio e da possibilidade de mudança.
A vida desta família, constituída pelo casal e uma filha, é condicionada pelo fato da sua única filha, aos 35 anos, se manter solteira e, devido à sua feiura, serem nulas as hipóteses de casar. Mas, durante uma semana, os seus hábitos são alterados pela viagem de Cotovia, a filha, a casa de familiares. Durante esse período, os pais usufruem de uma inusitada liberdade e o autor proporciona-nos, de modo simples e irónico, algumas reflexões sobre o peso das perspetivas familiares e das expetativas sociais, do papel da mulher e dos “velhos”, de dinâmicas familiares, do vazio e da possibilidade de mudança.
12.4.12
Procurado (2008)
É inquestionável o impato de MAtrix na história do cinema, pelas influências que deixou em produções subsequentes, mesmo em géneros que não a ficção cientifica. É o caso deste Procurado, que funde a estética de movimento de MAtrix, o thriller de espionagem e o western. O que fica é uma miscelânea anedótica que vale apenas pelos nomes de cartaz e como veículo de promoção da versatilidade de James McAvoy.
Título original: Wanted * Realização: Timur Bekmambetov * Argumento: Michael Brandt e Derek Haas * Elenco: Angelina Jolie, James McAvoy, Terence Stamp Morgan Freeman
BEM NO FUNDO:, Paulo Leminski
No fundo, no fundo,
a gente gostaria
a partir desta data,
e sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nulae sobre ela — silêncio perpétuo
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
11.4.12
SÃO AS MULHERES QUE, Bénédicte Houart
são as mulheres que
fazem chorar as cebolas
como se descascassem a própria vida
e, arredondando-se então, descobrissem
um corpo, o seu
uma vida, a sua
e, no entanto, nada que de verdade
pudessem seu chamar
ou talvez sim, mas só
aquela gota de água salpicando
um canto do avental onde
desponta uma flor de pano colorida que
ainda ontem ali não ardia
Bénédicte Houart, julho de 2010 © Bénédicte Houart; poema inédito, traduzido no portal «Poems from the Portuguesese» (D.R.)
Gracmor
As minhas várias deambulações internauticas permitiram-me ficar a conhecer o trabalho do pintor mexicano Gracmor, cujo estilo aprecio devido à sua utilização da cor, das linhas estilizadas e do preto como elemento a lembrar o vitral. Recomendo a visita ao seu blogue, para melhor conhecerem o seu trabalho:
Vida e Cor, Gracmor |
10.4.12
ALGUNS GOSTAM DE POESIA, Wisława Szymborska
Yulia Gorodinski |
Alguns —
quer dizer nem todos.
Nem a maioria de todos, mas a minoria.
Excluindo escolas, onde se deve,
e os próprios poetasserão talvez dois em mil.
mas também se gosta de canja de massa,
gosta-se da lisonja e da cor azul,
gosta-se de um velho cachecol,gosta-se de levar a sua avante,
gosta-se de fazer festas a um cão.
De poesia —
mas o que é a poesia?
Algumas respostas vagas
já foram dadas,
mas eu não sei e não sei, e a isto me agarro
como a um corrimão providencial.
Identidade Secreta (2011)
Se aparentemente a saga Jason Bourne já deu o que tinha a dar, eis que surge este Abduction, cujo título em português é homónimo ao primeiro episódio da saga Bourne, e cujo enredo ironiza exatamente com as parecenças físicas entre Taylor Lautner e Matt Damon. E como já havia vaticinado, este poderá muito bem ser o Bourne Pregnancy.
A história é simples: um jovem encontra uma fotografia sua num site de crianças desaparecidas e descobre que a sua vida tem mais que se lhe diga. Afinal, os seus pais biológicos são agentes infiltrados da CIA e, por isso, a sua vida corre perigo. Juntamente com a namorada, vai sobreviver a ataques inusitados, fazendo uso da sua formação desportista, e quase conhecer o seu pai, ajudando, pelo meio, a desvendar a toupeira existente na CIA. O final fica em aberto para novas aventuras, especialmente dedicadas a fãs das aventuras vampíricas de Lautner.
Título original: Abduction * Realização: John Singleton * Argumento: Shawn Christensen * Elenco: Taylor Lautner, Lily Collins, Maria Bello, Sigourney Weaver e Alfred Molina
9.4.12
Era manhã de setembro, Carlos Drummond Andrade
De Immitatie, Eddy Stevens |
e
ela me beijava o membro
Aviões e nuvens passavam
coros negros rebramiam
ela me beijava o membro
O meu tempo de menino
o meu tempo ainda futuro
cruzados floriam junto
Ela me beijava o membro
Um passarinho cantava,
bem dentro da árvore, dentro
da terra, de mim, da morte
Morte e primavera em rama
disputavam-se a água clara
água que dobrava a sede
Ela me beijando o membro
Tudo o que eu tivera sido
quanto me fora defeso
já não formava sentido
Somente rosa crispada
o talo ardente, uma flama
aquele êxtase na grama
Ela a me beijar o membro
Dos beijos era o mais casto
na pureza despojada
que é própria das coisas dadas
Nem era preito de escrava
enrodilhada na sombra
mas presente de rainha
tornando-se coisa minha
circulando-me no sangue
e doce e lento e erradio
como beijara uma santa
no mais divino transporte
e num solene arrepio
beijava beijava o membro
Pensando nos outros homens
eu tinha pena de todos
aprisionados no mundo
Meu império se estendia
por toda a praia deserta
e a cada sentido alerta
Ela me beijava o membro
O capítulo do ser
o mistério de existir
o desencontro de amar
eram tudo ondas caladas
morrendo num cais longínquo
e uma cidade se erguia
radiante de pedrarias
e de ódios apaziguados
e o espasmo vinha na brisa
para consigo furtar-me
se antes não me desfolhava
como um cabelo se alisa
e me tornava disperso
todo em circulos concêntricos
na fumaça do universo
Beijava o membro
beijava
e se morria beijando
a renascer em setembro
Imortais (2011)
Este filme é uma adaptação feita pela equipa que produziu 300 de alguns episódios e personagens da mitologia grega sintetizados na figura de Teseo e do seu combate contra o rei Hipérion.
Teseu é um humilde lavrador escolhido por Zeus, que sob disfarce é seu mentor, para defender o povo grego do ataque do rei Hipérion, que pretende destruir a humanidade através da libertação dos titãs, raça de antigas divindades, aprisionada no mundo subterrâneo sob o Monte Tártaro. Com um visual gráfico próximo de 300, apresenta um enredo coerente, embora não fiel aos relatos míticos existentes, o que resulta num filme interessante e num bom produto de entertenimento.
Título original: Immortals * Realização: Tarsem Singh * Argumento: Charley Parlapanides, Vlas Parlapanides * Elenco: Henry Cavill, Mickey Rourke, Stephen Dorff, Freida Pinto, Luke Evans e John Hurt
8.4.12
COM UNHAS E DENTES, Luís Filipe Parrado
Estar vivo
é abrir uma gaveta
na cozinha,
tirar uma faca de cabo preto,
descascar uma laranja.
Viver é outra coisa:
deixas a gaveta fechada
e arrancas tudo
com unhas e dentes,
o sabor amargo da casca,
de tão doce,
não o esqueces.
é abrir uma gaveta
na cozinha,
tirar uma faca de cabo preto,
descascar uma laranja.
Viver é outra coisa:
deixas a gaveta fechada
e arrancas tudo
com unhas e dentes,
o sabor amargo da casca,
de tão doce,
não o esqueces.
Um Grito de Coragem (1988)
No início da década de 1980, durante umas férias familiares de campismo, um jovem casal vê a sua filha mais nova, de apenas 2 meses, ser levada por um dingo. Sem o corpo alguma vez ter sido encontrado, e com a ciência forense não tão evoluída, depressa as suspeitas recaem sobre a mãe, Linny Chamberlain, que rapidamente é considerada culpada pela opinião pública. Sob uma tremenda exposição mediática, o casal, adventista do sétimo dia., enceta um longo e controverso processo para comprovar a sua inocência, que só viria a ser reconhecida quase uma década mais tarde.
Realizado em 1988, este filme valeu a Meryl Streep uma nomeação aos Óscares, pela sua interpretação de Linny Chamberlain, uma mulher pouco expressiva, que não Grangeia a simpatia pública, e extremamente lúcida e inteligente para perceber que é considerada culpada pela opinião pública.
Uma aposta interessante e bem conseguida, é intercalação da apresentação dos fatos com as conversas de anónimos de todos os estratos sociais e de vários pontos do país, com as suas opiniões e juízos sobre os acontecimentos e as subsequentes tomadas de posição.
Ao ver este filme só agora, é impossível não comparar este com o caso Maddie, que quase parece uma cópia. As suas incoerências, dúvidas e postura dos pais apaixonaram a opinião pública que na sua maioria imputa culpa aos pais, mas cuja verdade talvez nunca venhamos a saber. A única verdade é que todos somos anónimos com opiniões formadas com base no mediatismo do caso, cuja proximidade com a realidade talvez seja nenhuma.
Título original: Evil Angels * Realização: Fred Schepisi * Argumento: John Bryson e Robert Caswell * Elenco: Meryl Streep, Sam Neill e Dale Reeves
7.4.12
Jordi Nadal
Há uns tempos, dei com a recomendação de leitura da página pessoal de Jordi Nadal, conceituado editor espanhol, que, além de dar conta do seu percurso profissional, possui uma interessante listagem de leituras recomendadas. Como o que encontramos não deve ficar connosco, aqui fica uma sugestão de visita e de leitura:
www.jordinadal.com
6.4.12
Sexo, mentiras e despedidas
Não foi um brinco esquecido debaixo da cama que denunciou a tua traição. Nem mensagens inusitadas no Facebook. Sempre foste muito discreto, mas ninguém é perfeito, pelo menos ela não foi.
E posso demorar a ver a realidade, mas uma vez visto, não há como voltar a trás. E, neste caso, também não há desculpas que justifiquem. Não para mim. Não há momentos menos bons. Não há incompreensões. Não há falta de diálogo. Não há querermos coisas diferentes. Nada disso. Há apenas as oportunidades que aproveitas(te), pensando nunca serem descobertas. O que significa apenas que estás longe de ser o homem que quero e que mereço. Por isso, ficamos por aqui. Eu comigo e tu com qualquer dos teus contatos telefónicos, para lá destas portas que se cerraram indubitavelmente para ti.
Esta noite vou chorar, não vou dormir grande coisa. Amanhã acordo com olheiras e um humor de cão. Mas à noite o cansaço vencerá e, depois do sono profundo, acordarei tranquila e pronta para arriscar novos começos. Certa de que cada queda me torna mais forte e do futuro que quero para mim.
Amostra sem valor, António Gedeão
Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível;
com ele se entretém
e se julga intangível.
Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.
Eu sei que as dimensões impiedosas da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível;
com ele se entretém
e se julga intangível.
Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.
Eu sei que as dimensões impiedosas da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.
5.4.12
Todos os dias, há alguém que chega a esta página pela primeira vez. Demorará uma média de 7 a 10 segundos a decidir se regressará ou não. O meu desafio é: como prender a atenção desse novo visitante sem recorrer a truques baixos, como, por exemplo, o uso abusivo de comentários depreciativos, linguagem sexual explicita, ou a utilização de frases e pensamentos delico-doces para almas carentes e esperançosas.
Desejo que o regresso se deva a uma qualquer identificação com o que escrevo e como o escrevo estes, que mesmo quando o não são, registos pessoais, vivências e aspirações.
Como ser eu e que esse eu faça sentido a tantas e tão diferentes pessoas?
Desejo que o regresso se deva a uma qualquer identificação com o que escrevo e como o escrevo estes, que mesmo quando o não são, registos pessoais, vivências e aspirações.
Como ser eu e que esse eu faça sentido a tantas e tão diferentes pessoas?
DEMOCRACIA, Nuno Júdice
Fui dar com a democracia embalsamada, como
o cadáver do Lenine, a cheirar a formol e aguarrás,
numa cave da Europa. Despejavam-lhe por cima
unguentos e colónias, queimavam-lhe incenso
e haxixe, rezavam-lhe as obras completas do
Rousseau, do saint-just, do Vítor Hugo, e
o corpo não se mexia. Gritavam-lhe a liberdade,
a igualdade, a fraternidade, e a pobre morta
cheirava a cemitério, como se esperasse
autópsias que não vinham, relatórios, adêenes
que lhe dessem família e descendência. Esperei
que todos saíssem de ao pé dela, espreitei-lhe
o fundo de um olho, e vi que mexia. Peguei-lhe
na mão, pedi-lhe que acordasse, e vi-a tremer
os lábios, dizendo qualquer coisa. Um testamento?
a última verdade do mundo? «Que queres?»,
perguntei-lhe. E ela, quase viva: «Um cigarro!»
o cadáver do Lenine, a cheirar a formol e aguarrás,
numa cave da Europa. Despejavam-lhe por cima
unguentos e colónias, queimavam-lhe incenso
e haxixe, rezavam-lhe as obras completas do
Rousseau, do saint-just, do Vítor Hugo, e
o corpo não se mexia. Gritavam-lhe a liberdade,
a igualdade, a fraternidade, e a pobre morta
cheirava a cemitério, como se esperasse
autópsias que não vinham, relatórios, adêenes
que lhe dessem família e descendência. Esperei
que todos saíssem de ao pé dela, espreitei-lhe
o fundo de um olho, e vi que mexia. Peguei-lhe
na mão, pedi-lhe que acordasse, e vi-a tremer
os lábios, dizendo qualquer coisa. Um testamento?
a última verdade do mundo? «Que queres?»,
perguntei-lhe. E ela, quase viva: «Um cigarro!»
in A Matéria do Poema, Dom Quixote
4.4.12
SOBRE OS DOIS ADOLESCENTES QUE ESTA TARDE ATRAVESSARAM A RUA DE MÃOS DADAS, Luís Filipe Parrado
Irina Kotova |
Passaram o portão de ferro da escola
e deram as mãos
para atravessarem a rua.
E, de mãos dadas, formaram
uma corrente
tão poderosa, tão compacta,
que o trânsito teve mesmo de parar
e ficou completamente imobilizado. Não vou ceder
agora à tentação
de afirmar que assisti
à materialização de um milagre,
afinal é coisa
que deve estar sempre a acontecer,
em algum lugar, ao fim
da manhã ou da tarde, logo
depois das aulas,
dois adolescentes dão
as mãos, atravessam a rua, bloqueiam
a circulação rodoviária
de uma cidade.
Mas pensa nisso por um segundo,
pensa na força dessa corrente.
3.4.12
COITO, Ferreira Gullar
Todos os movimentos
do amor
são noturnos
mesmo quando praticados
à luz do dia
Vem de ti o sinal
no cheiro ou no tato
que faz acordar o bicho
em seu fosso:
na treva, lento,
se desenrola
e desliza
em direcção a teu sorriso
Hipnotiza-te
com seu guizo
envolve-te
em seus anéis
corredios
beija-te
a boca em flor
e por baixo
com seu esporão
te fende te fode
e se fundem
no gozo
depois
desenfia-se de ti
a teu lado
na cama
recupero minha forma usual.
do amor
são noturnos
mesmo quando praticados
à luz do dia
Vem de ti o sinal
no cheiro ou no tato
que faz acordar o bicho
em seu fosso:
na treva, lento,
se desenrola
e desliza
em direcção a teu sorriso
Hipnotiza-te
com seu guizo
envolve-te
em seus anéis
corredios
beija-te
a boca em flor
e por baixo
com seu esporão
te fende te fode
e se fundem
no gozo
depois
desenfia-se de ti
a teu lado
na cama
recupero minha forma usual.
Christian Weisz |
2.4.12
DEFEITO DE FABRICO, A. M. Pires Cabral
Quando nasci, trazia de origem
um farol que despejava luz a jorros
sobre o que quer que fosse,
mormente sobre as dobras
pérfidas da noite.
Mas, por estranho que pareça,
também os faróis estão sujeitos
às leis da erosão,
e o meu farol deliu-se. Hoje não é
mais do que um triste farolim de bicicleta
que apenas me alumia dois palmos de noite.
Amanhã estará reduzido
a uma simples lanterna de bolso
com que mal poderei reconhecer
o lugar onde estou.
Até que um dia será, está bom de ver,
o mais fiável cúmplice da noite –
– da noite que devia dissipar,
e não fundir-se nela.
Defeito de fabrico.
Mas a garantia caducou e o fabricante
nega-se a ressarcir-me do escuro.
um farol que despejava luz a jorros
sobre o que quer que fosse,
mormente sobre as dobras
pérfidas da noite.
Mas, por estranho que pareça,
também os faróis estão sujeitos
às leis da erosão,
e o meu farol deliu-se. Hoje não é
mais do que um triste farolim de bicicleta
que apenas me alumia dois palmos de noite.
Amanhã estará reduzido
a uma simples lanterna de bolso
com que mal poderei reconhecer
o lugar onde estou.
Até que um dia será, está bom de ver,
o mais fiável cúmplice da noite –
– da noite que devia dissipar,
e não fundir-se nela.
Defeito de fabrico.
Mas a garantia caducou e o fabricante
nega-se a ressarcir-me do escuro.
Yeong-Deok Seo |
1.4.12
UM SORRISO, Ferreira Gullar
Quando
com minhas mãos de labareda
te acendo e em rosa
embaixo
te espetalas
quando
com o meu aceso archote e cego
penetro a noite de tua flor que exala
urina
e mel
que busco eu com toda essa assassina
fúria de macho?
que busco eu
em fogo
aqui embaixo?
senão colher com a repentina
mão do delírio
uma outra flor: a do sorriso
que no alto o teu rosto ilumina?
com minhas mãos de labareda
te acendo e em rosa
embaixo
te espetalas
quando
com o meu aceso archote e cego
penetro a noite de tua flor que exala
urina
e mel
que busco eu com toda essa assassina
fúria de macho?
que busco eu
em fogo
aqui embaixo?
senão colher com a repentina
mão do delírio
uma outra flor: a do sorriso
que no alto o teu rosto ilumina?
Alberto Emiliano Saveso |
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