Há apenas uma pessoa que partilha este meu segredo. Nem a minha família o sabe. Foi minha opção mantê-la na ignorância. Sabia que tentariam que mudasse de ideias e não queria essa pressão, tal como não queria confronta-la com esse meu lado mais pragmático.
Não é uma situação nova. Já muitas mulheres o fizeram. No fim de contas, fui apenas uma entre milhões. E as minhas razões não eram diferentes das demais. Para mim eram válidas, para outros questionáveis, para muitos insuficientes. Foram ponderadas no momento e ainda hoje considero a decisão acertada.
Como já perceberam pelas entrelinhas e embora não seja fácil de verbalizar, sou uma das muitas mulheres que já fizeram um aborto. Segundo as estatísticas, sou uma em cada quatro. Isso significa que em qualquer espaço público em que me encontre (no café, no comboio, numa repartição, e até no trabalho) partilho uma história semelhante com outras mulheres.
Porque é que resolvi conta-la hoje? Porque há muito necessitava ser dita. Porque me queima no peito, não o acto, mas a decisão de oculta-lo. Receio talvez os julgamentos alheios, mas quem não tem telhados de vidros que atire a primeira pedra. A verdade é que é fácil ajuizar sobre a vida alheia, mesmo quando não sabemos nem sequer um décimo das suas circunstâncias.
Os motivos da minha decisão foram maioritariamente de ordem financeira. Para muitos não é razão suficiente, mas para mim não saber que condições poderia dar a um filho foi determinante. A minha actual situação financeira bastante complexa e enquanto não resolver determinadas situações –se é que as vou conseguir resolver da melhor maneira – é-me impensável assumir a responsabilidade de um filho. Sempre ouvi dizer que tudo se cria. Talvez seja verdade. Mas que tipo de vida lhe poderia dar?
A próxima pergunta lógica será: e o pai? Nunca chegou a saber. Talvez tenha sido uma atitude vingativa semi-consciente, pois sempre me afirmou o desejo de ser pai. Mas na verdade, nenhum estava em condições financeiras mínimas para assumir o compromisso. Quanto à sua vontade, por muito válida que fosse, era muito inconsequente. No que diz respeito à nossa relação, bem… digamos que houve muitas promessas ditas ao vento. O seu interesse era mais interesseiro do que interessado. Quando se confirmou a minha suspeita, não me passou sequer pela cabeça informa-lo. Se soubesse, também não me demoveria.
Contei com a ajuda da S. em tudo. Nos desabafos, nas consultas, na ida ao hospital, no processo. Acompanhou-me, sem juízos, mas com um enorme ombro amigo.
Pensava que não, mas também precisei fazer o meu luto. E por vezes penso na minha barriga a crescer e como seria sentir uma vida dentro de mim. Creio que é inevitável. Como mulheres, somos criadas culturalmente – já para não falar do factor biológico – para a maternidade. Hoje, não me vejo com um vejo, nem num futuro próximo. E depois, quem sabe, se quer, se a idade o permitirá? E será que a maternidade é um projecto de vida para todas as mulheres?
Talvez estas sejam apenas simples explicações para a minha decisão. Mas está tomada e não há retorno.