Este foi o segundo livro que li de Ismaël Kadaré, após me ter apaixonado pelo seu Abril Despedaçado. De origem albanesa, o autor tem nos dois livros como tema central as tradições autóctones e o seu peso vinculativo sobre o futuro dos personagens, tornando cada história um exemplo da fatalidade em que se torna potencialmente impossível escapar às garra dessa tradição. As personagens são apanhadas na força centrifuga de uma cultura enraizada e da qual não têm forças suficientes para sair.
Se em Abril Despedaçado Kadaré nos levava para a realidade no interior das áridas e rústicas planícies balcânicas e nos dava a conhecer a implacável lei do cânone, em O Palácio dos Sonhos a intriga é literalmente palaciana e decorre nos meandros da politica, sendo uma análise alegórica a um governo totalitário. Aqui seguimos a trajectória de um jovem pertencente a uma família com uma intrínseca ligação à história do seu pais, tendo tido sempre papéis preponderantes nos acontecimentos mais relevantes. Com o peso e expectativas do seu passado familiar, o jovem Georg é nomeado para o enigmático Palácio dos Sonhos, uma surreal instituição estatal que tem como objectivo analisar os sonhos de toda a população do país. Aí, chegam diariamente relatos dos mais variados sonhos que são posteriormente seleccionados, analisados e interpretados. Com base neste processo, são tomadas algumas das mais importantes decisões de estado.
É um livro curioso, pois gradualmente vai demonstrando como a máquina estatal pode inferir em todos os planos da vida dos seus cidadãos, inclusive nos que se diriam mais íntimos e intransmissíveis, como os sonhos. Através de um ambiente kafkiano, demonstra-se como funciona um estado totalitário que com os seus tentáculos atinge profundidades de actuação e viola e explora a mais íntima liberdade de um individuo: a sua capacidade de sonhar. Ao observar e ver-se embrenhado nesta teia, o jovem Georg vai perdendo a sua inocência e tomando consciência das limitações do individuo na sociedade.
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