«O certo é que o escritor de brevidades o que mais deseja é escrever interminavelmente textos longos, textos longos em que a imaginação não tenha de trabalhar, em que factos, coisas, animais e homens se cruzem, se procurem ou fujam uns dos outros, vivam, convivam, se amem ou façam derramar livremente o seu sangue sem estarem sujeitos ao ponto e vírgula, ao ponto.»
Augusto Monterroso
De José Mário Silva conheço o seu registo como jornalista e critico literário, através do blog Bibliotecário de Babel e da revista LER. Enquanto escritor, esta é a minha primeira incursão no seu trabalho. Este volume reúne pequenos contos já editados no DNa e que, para a presente edição, foram revistos e editados.
Os pequenos contos estão perfeitamente enquadrados pela citação de Augusto Monterroso, acima transcrita. A brevidade dos mesmos não lhes retira impacto, pelo contrário: potencia-o. São como que balas de borracha, que embora pequenas, desarmam o leitor e cuja mossa e dor fantasma permanece indelével.
José Mário Silva apresenta-nos retratos de personagens que somos todos nós, nas nossas vidas mundanas, e através de uma extraordinária capacidade de síntese explora medos, (des)inquietações, aspirações e constatações. A sua capacidade de síntese culmina nas 38 miniatura finais, que podem perfeitamente ser provérbios modernos ou haikus ocidentais.
Caixa negra
No rescaldo de cada relação falhada, lia de novo todos os e-mails e SMS, à procura do erro humano.
Fatalidade
O rosto que mereces está sempre noutro espelho.
Noções de geometria afectiva
Os triângulos amorosos nunca são equiláteros.
O quadro que Vermeer não pintou
Um xadrezista na penumbra, mão no ar, ponderando o gambito.
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