Ler Ferreira de Castro 40 Anos Depois

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14.12.14

Imposto de sangue

- Que criança dá esta casa?
- Nesta casa já não há crianças, senhor.
- Repito: que criança dá esta casa?
- Senhor, todas as nossas crianças pertencem-vos já. A derradeira recolha de imposta levou-nos a ultima.
Impudente, o janízaro avançou pelo casebre. Buscava qualquer vestígio de criança, mas nada lhe dava esse indício. Saiu e sentiu os olhares escondidos oriundos dos outros casebres.
- Diz-me, tendes bons vizinhos.
- Senhor, têm-me sempre dado a mão em horas de aflição.
- Sim, mas desta feita não será a mão que eu quero.
- Senhor, não compreendo
- Um deles há-de pagar o teu imposto. Acertai depois contas com ele.
- Mas, senhor. Não é justo que alguém pague o que eu não posso pagar.
- Justo? Mas julgas tu que há justiça no mundo? Também eu sou um imposto cobrado e que justiça houve nisso? Quererdes justiça? Então, provém o teu próprio imposto. Toma as abluções que tu e tua mulher achem por bem e mantém os teus impostos em dia. Pois se justiça não há, só os impostos e a morte podes ter como certos na vida.

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